A PONTE CAMPOS SALLES
INAUGURADA EM 5 DE MARÇO DE 1915
O desenvolvimento do Distrito de Paz de Barra Bonita atraía moradores e proprietários de terras localizadas na "outra margem do Rio", cujo território pertencia a São Manoel, inclusive a área do atual Município de lgaraçu do Tietê.
A balsa e os barcos que efetuavam o transporte de passageiros e mercadorias entre as duas margens não mais atendiam às necessidades do intenso tráfego que, constantemente, era interrompido por problemas mecânicos da balsa ou pelas enchentes do Rio Tietê. Tais dificuldades somente seriam superadas com a construção de uma ponte.
Não foram poucas as iniciativas nesse sentido. Os políticos locais, que tinham no Dr. Campos Salles o seu grande líder, fizeram-no representante dessa justa reivindicação nas altas esferas dos Governos do Estado e da União. Ninguém melhor do que ele, como ex-Presidente da República (1898-1902), ex-Presidente do Estado de São Paulo (1896) e proprietário de fazendas de café "na Barra Bonita", sabia da importância e dos benefícios que tal obra ocasionaria para toda região, principalmente como fator de progresso e abertura de novos mercados aos nossos produtos agrícolas.
Talvez porque Barra Bonita não fosse ainda sede de Município, ou porque contasse com uma empresa de navegação fluvial (Sorocabana) que vinha realizando o transporte de cargas e passageiros no Rio Tietê, as iniciativas visando a construção da Ponte não obtinham êxito. Mas ninguém desanimava. Nossos representantes na Câmara Municipal de Jahu encareciam a necessidade de tal melhoramento para o desenvolvimento da região, e o Dr. Campos Salles articulava e se empenhava junto ao Presidente do Estado, Albuquerque Lins, tendo conseguido apoio do Secretário da Agricultura Dr. Pádua Salles. Era o ano de 1911 e, politicamente, a construção da Ponte sôbre o Rio Tietê estava decidida. Mais uma vez, Campos Salles intervém para apressar os estudos e a localização da obra. Através da carta datada de 6 de fevereiro de 1911, apresenta ao Major Pompeu o engenheiro designado para tais finalidades, cujo teor é o seguinte:
"São Paulo, 6 de fevereiro de 1911.
Prezado amigo Pompeu
Tenho o prazer de apresentar-lhe o Sr. Francisco Soares, engenheiro, que aí vai proceder a estudos definitivos sobre a ponte a construir-se nessa localidade.
Peço que o acolha com a maior benevolência, e preste todo o auxilio necessário para o completo desempenho de sua missão.
Cabe-lhe principalmente indicar o melhor ponto para a construção da ponte, de modo a beneficiar o mais possível essa localidade.
O Governo está disposto a abrir a respetiva concorrência, tão depressa esteja de posse dos estudos que o Sr. Soares vai realizar.
Podemos, pois, contar como realidade o importante acontecimento.
Seu amigo afetuoso,
Campos Salles
Nas afirmações do grande estadista: "de modo a beneficiar o mais possível essa localidade", estão expressos o carinho e apreço que nutria pela Vila de Barra Bonita. E dizendo que "podemos, pois, contar como realidade o importante acontecimento", Campos Salles manifesta sua determinação. A ponte seria, principalmente, um caminho seguro para o escoamento de produtos da Vila e região, abrindo novos mercados consumidores. O seu custo, elevado para os padrões da época, seria minimizado diante da longa durabilidade e dos benefícios que traria.
O resultado que todos esperavam aconteceu! Em 21 de maio de 1911 foi publicada a Concorrência Pública para a "construção de uma ponte metálica no Rio Tietê. (1)
A primeira batalha estava ganha, mais haveria muita luta para conseguir a vitória definitiva. As publicações nos jornais da época dão conta que: em 17 de agosto de 1911, foram abertas pelo Secretário da Agricultura Dr. Pádua Salles, tendo ele mesmo, representando o Governo do Dr. Albuquerque Lins, assinado, em 4 de outubro de 1911, o contrato com a empresa alemã Maschien Frabik Angsburg Nurnberg, empresa vencedora que iniciou as obras, através de seus prepostos no Brasil: Bromberg Hacker & Company, de São Paulo, no princípio do ano de 1912. (2)
Os engenheiros e técnicos alemães que vieram para montar a ponte, também de fabricação alemã, encontraram aqui o conterrâneo, próspero comerciante, químico industrial, fabricante de cervejas e refrigerantes, Germano Guther, o qual, além de atuar como tradutor e intérprete, junto aos demais técnicos e operários, ofereceu-lhes alojamento em sua propriedade.
Em 3 de julho de 1912, era anunciada a chegada dos vapores "Piracicaba" e "Souza Queiroz", com cinco lanchas carregadas de materiais para a ponte. (3) Os moradores da Vila vibraram!
Todavia, os engenheiros e técnicos tiveram muitas dificuldades para a perfuração de lajes no leito do rio, pois nele foi encontrada muita terra movediça. Vários acidentes e as constantes cheias do Tietê, atrasaram os trabalhos. Numa das enchentes, todos os fundamentos no leito do rio foram, literalmente, por água abaixo, tendo como conseqüência, a total paralisação dos serviços.
O reinicio das obras só ocorreu em abril de 1913, após muitas críticas, reclamações e o descontentamento popular. Contudo, somente a partir de maio de 1914, com a intervenção da Diretoria de Obras Públicas e designação pela empresa alemã, dos novos engenheiros: George Spanner, Alfredo Eije e um terceiro vindo do Chile, é que os serviços foram acelerados. Assim descreve o representante do "Commercio do Jahu" edição de 6 de março de 1915 os dados técnicos, funcionais e financeiros da construção, os quais, pela riqueza de detalhes, transcrevemos na integra e na ortografia atual:
As sondagens do leito do rio acusavam terra movediça pelo que os engenheiros propuseram estaquear os lugares de onde deviam sair os pilares.
Aceito pela Diretoria de Obras Publicas do governo foi feito o primeiro caixão e estaqueado com barras de ferro em forma de H do peso de 300 quilos e de 9 metros de comprimento.
Estas estacas, em número de 84, eram batidas por um martelo de peso de 800 quilos acionado por um motor elétrico.
As estacas eram registradas como firmes, depois de receberem 30 marteladas e acusarem 2 milimetros de diferença.
Uma bomba possante esgotava a água do caixão a razão de 1.000 litros por minuto.
Sem demora era lançado o concreto em trabalho acelerado, conduzido por dois vagonetes de canvile, até exceder o nível do rio. O cimento gasto foi de 150 barricas, com a correspondente areia e pedra britada.
Este trabalho ficou terminado na primeira quinzena de agosto do ano passado, sendo colocado em cima do concreto pedra de granito aparelhada até a altura do estrado metálico.
O segundo caixão foi estaqueado, nas mesmas condições do primeiro, e no dia 10 de setembro de 1914 o concreto.
Esta obra era visitada constantemente pelo Dr. Thimoteo Penteado, engenheiro do distrito residente em Dois Córregos.
A ponte que tem o comprimento de 149 m 600 entre os apoios extremos das duas margens, de largura 5 m 700, altura livre de 4 m 200 acima ao taboleiro e o peso da super estrutura 307,4 toneladas e de taboleiro inferior as vigas rígidas independentes, assim discriminadas: 3 vigas de 45 metros de comprimento do tipo semi-parabólico, tendo 6,m330 de altura ao centro. Entre duas vigas de 45 metros há um vão de 12 metros de largura, sendo a respectiva superestrutura formada por duas vigas levadiças ligadas aos extremos dos vãos contínuos.
As 3 vigas semi-parabólicas são perfeitamente iguais e simétricas; somente os extremos daquelas onde se adapta a ponte levadiça são anormais.
O fim da ponte levadiça é deixar uma passagem livre às embarcações quando as enchentes do rio, não permitirem o tráfego fluvial, pelos vãos de 45 metros cujos superestrutores são fixos e elevados cerca de 8 metros acima das águas normais.
Quando fechada a ponte levadiça, as duas partes de que ela se compõe são mantidas em sua posição por um ferrolho acionado por uma alavanca manual.
A superestrutura metálica (de aço doce de primeira qualidade) foi calculada para suportar com toda a segurança uma sobrecarga rolante constituída por duas filas de veículos de 11 toneladas e de sobrecarga uniformemente distribuída, no espaço não ocupado por aquela, de 800 kgs. por metro quadrado.
O estrado da ponte é constituído por uma lage de concreto sobre ferros zorés colocados transversalmente e apoiados em longarinas de perfil duplo té. Estas são ligadas às peças da ponte que assim transmitem aos nós das vigas principais todas as cargas e sobrecargas do taboleiro.
Os pilares e encontros da ponte são de concreto, sendo revestida às suas faces aparentes por alvenaria de pedra granito aparelhada.
As experiências de carga, dirigidas pelo engenheiro fiscal do governo Dr. J. T. de Oliveira Penteado, e assistidas pelo Dr. George Spanner, engenheiro construtor, deram ótimo resultado.
A ponte custou ao Estado a quantia de 304.217$900 (trezentos e quatro contos duzentos e dezessete mil e novecentos réis).
Finalmente, chegou o dia 5 de março de 1915, data marcada para a inauguração! Um acontecimento tão importante para o município e região, teve um programa de festividades à altura. Uma vez mais reportamo-nos à edição de nº 762 de 6 de março de 1915 do "Commercio do Jahu", cujo redator assim descreve a memorável festa:
A PONTE METÁLICA DE BARRA BONITA A SUA INAUGURAÇÃO
Como noticiamos efetuou-se ontem em Barra Bonita, a inauguração da grande ponte metálica sobre o rio Tietê, ligando aquele município ao de São Manoel.
Para assistir a esse ato veio de São Paulo, em trem especial da Sorocabana Railway, o Sr. Dr. Paulo de Moraes Barros, ilustre Secretário da Agricultura. Em companhia de S.Excia. vieram mais os Srs. Senadores: Dr. Pádua Salles e Cel. Virgilio Rodrigues Alves, Dr. Augusto Meirelles Reis, Ministro do Tribunal de Justiça; Dr. Vicente Prado, Deputado Estadual por este Distrito; Cel. Batista da Luz, Comandante da Força Pública; Dr. José Gonçalves Barbosa, Chefe da Fiscalização Federal das Estradas de Ferro, Dr. Arthur Motta, Diretor da Repartição de Águas e Esgotos; Dr. Theóphilo de Souza, Diretor de Viação; Dr. Alfredo Braga, Diretor de Obras Públicas; Dr. Clodomiro Pereira da Silva, Consultor Técnico da Secretaria da Agricultura, Dr. Mario Freire, Chefe de Escritório Técnico da Diretoria de Obras Públicas; Paulo de Moraes Barros Filho; Dr. José Artigas, Chefe da comissão Fiscal da Sorocabana Railway, Dr. Henrique Bayma, Oficial de Gabinete do Secretário da Agricultura; Dr. Luiz Silveira e João Silveira Junior, representantes do jornal "O Correio Paulistano".
O repórter dá o nome de "ilustres excursionistas" aos convidados e autoridades que aqui vieram, via São Manoel, para a inauguração, informando que foram eles recebidos por volta de onze horas e trinta minutos, "por grande número de pessoas, entre elas os Senhores: Dr. Francisco Ribeiro do Lago, Presidente da Câmara de Barra Bonita; Manoel de Almeida Camargo, Prefeito Municipal; Claudio Lopes, Vice-Prefeito; Demósthenes Gonçalves, Secretário da Câmara; Dr. Caio Simões, Dr. Agenor Simões, Padre Albino, Luiz Brochado, Carlos Lourenção, Juvenal Pompeu, Capitão Paulo de Souza, Antonio Cardia e muitos outros mais". (...)
Prosseguindo a narrativa dos acontecimento destaca:
"Assistindo a inauguração, esteve presente a Escola Municipal regida pela professora (4) D. Elvira Machado, que formara com as suas alunas uma ala ao lado da Ponte. Logo que o Dr. Paulo Moraes Barros, ilustre Secretário da Agricultura, cortava a fita auriverde, representando a inauguração, pronunciou S.Excia. nessa ocasião, algumas palavras, dizendo-se feliz por inaugurar aquele grande melhoramento que muito ia concorrer para o progresso e engrandecimento dos municípios por ela ligados. Logo que S.Excia. terminou, os alunos da Escola Municipal atiraram sobre ele grande quantidade de pétalas de flores". Mais adiante, diz o repórter que "todos se dirigiram à Câmara Municipal onde foi servido um lanche, oportunidade em que o Dr. Hilário Freire, em nome da câmara, agradeceu ao governo o grande melhoramento e lembrava, como ato de justiça, deveria ser dado à Ponte o nome de Campos Salles, por ter ele muito cooperado para que se levasse a efeito a sua construção".
De acordo com a notícia enviada pelo correspondente local do "O Estado de São Paulo", também estiveram presentes ao ato os senhores Francisco Santinello, Angelo Battaiola, Oscar Bartelis, Hippolito Lopes, Luiz Reginato, Antonio Reginato, Antenor Balsi, José Rodrigues Angelo, Berndardino Rocha, Silvano Battaiola, Liberato Fraga, Manoel Trigo, José Chaddade, Joaquim Simão, Francisco Diniz Rocco Di Muzzio, Thomaz Guzzo, Thomas Pugliese, Joaquim Marin, Vicente Sanches, Flauzino Pereira Ramos, Germano Guther e Alberto Strutzel.
Campos Salles, o grande batalhador e incentivador dessa conquista, não pode ver concretizada a obra pois faleceu em 28 de junho de 1913. Mas o povo barra-bonitense não esqueceu a participação do grande líder para a consecução desse ideal. Assim, a partir de sua inauguração, a ponte sobre o Rio Tietê começou a ser chamada e popularmente conhecida como "Ponte Campos Salles". E a oficialização ocorreu com a colocação das placas em 7 de janeiro de 1918. (0 Município nº 119 de 13/1/1918), com os seguintes dizeres:
PONTE CAMPOS SALLES
INAUGURADA EM 5 DE MARÇO DE 1915
A solidês dê sua construção desafia o tempo, as enchentes, os excessos de tráfego, as cargas pesadas e as técnicas modernas. Desde 1915, a ponte vem sofrendo desgastes e agressões a toda prova. O que era uma obra de arte, cenário para os inesquecíveis fins de tarde em que o por do sol era tema para os incontáveis namoros que lá se iniciaram, tornou-se uma movimentada via de acesso e de trânsito intenso de veículos e pedestres, os quais não tem, nem tempo e nem espaço, para admirar a beleza da paisagem.
A "Ponte Campos Salles" já foi cantada em prosa e verso por inúmeros poetas locais e da região. Em 1929, quando ocorreu uma das maiores enchentes do Rio Tietê, as águas quase atingiram o leito da ponte, destruindo tudo o que havia nas duas margens do rio: casas, olarias, porto fluvial, armazéns, as instalações, os barcos para regatas e o campo de futebol da "AABB", etc. etc. Só a ponte resistiu à fúria das águas. Inspirado nesse episódio, o Dr. Agenor Simões, médico, músico e poeta assim escreveu:
Oh Meu Deus! Que chuvinha impertinente!
Estragaram-se todas as estradas...
O Tietê numa indômita torrente,
Leva tudo das margens alagadas!
Assim a natureza inconsciente,
As torneiras do céu, antes fechadas,
Abriu: um mundo de água de repente
Jorrou de negras nuvens carregadas
A caudal em arroubos de gigante
Ruge; e revolta, rola espumejante,
Deixando na passagem grandes males...
Mas... a ponte do saudoso Campos Salles
- Maior Beleza que na Barra Existe -
Freme, mas é tão forte, que resiste! (*)
Depois de quase 40 anos inativo, e de um meticuloso trabalho de restauração em suas engrenagens, o "alçapão" da Ponte Campos Salles foi reaberto oficialmente em 26 de agosto de 1973 (Ver Capítulo: A Reabertura do Alçapão da Ponte Campos Salles) a fim de testar sua segurança na passagem de embarcações de cargas e de turismo (caso houvesse necessidade abri-lo) tendo em vista a implantação parcial do "Sistema Tietê-Paraná", que seria oficializado com a inauguração da Eclusa de Barra Bonita, em 29 de novembro do mesmo ano.
A "operação-reabertura" foi um sucesso, mas constatou-se que a diminuta distância entre os pilares da ponte, sobre os quais estava montado o alçapão, não possibilitaria, se fosse necessário, a passagem de lanchas, navios, chatas e outros tipos de embarcações de grande calado e largura.
Com a inauguração da "Hidrovia do Álcool" em 21 de agosto de 1980, dinamizou-se o tráfego fluvial e o assunto "alçapão" voltou a preocupar nossas autoridades, pelos riscos e possibilidade de acidentes na passagem sob o mesmo, dando origem a uma série de rumores e comentários, entre os quais os de mudança de local e de alterações no projeto, original da Ponte Campos Salles, causando apreensão entre os barra-bonitenses.
Felizmente uma decisão entre Estado e Município colocou ponto final no assunto e o nosso principal patrimônio histórico, a Ponte Campos Salles, foi preservada na sua totalidade, com a construção, pelo Governo Estadual, na margem esquerda do Rio Tietê em 1989, do Canal de Navegação de Igaraçu do Tietê e uma nova ponte sobre o mesmo, solução que veio de encontro às necessidades e a segurança da "Hidrovia do Álcool".
Ao longo de todos esses anos, a Ponte Campos Salles sempre mereceu atenção de nossas autoridades: troca de piso; da madeira do "alçapão"; construção de passarelas para pedestres; pinturas; sinalização; instalação de semáforos (***) e iluminação, obras essas que expressaram, de forma concreta, o respeito do Poder Público pela conservação da "ponte dos arcos" - parte importante de nossa história - imortalizada nos versos do Dr. Agenor Simões em 1929 e por Theotônio Pavão no Hino à Barra Bonita, 1972.
1-2-3 - Recortes de Publicações nos jornais o Estado de São Paulo, o Commércio do Jahu (acervo de Juvenal Pompeu).
4 - Elvira Machado Lourenção - nome completo, uma das primeiras professoras locais era casada com Antonio Lourenção, membro da família pioneira de Barra Bonita.
(*) O Município n.º 638 de 3/2/1929
(**) Instalação de Semáforos: 8/8/1970
(***) Iluminação: 18/03/1978
Ponte Campos Salles - inaugurada em 05/03/1915
Vista da ponte e armazéns da Sorocabana - 1915
Prefeito Manoel de Almeida Camargo - 02/08/1914-04/01/1917