A ESTRADA DE FERRO BARRA BONITA
O ramal ferroviário Estrada de Ferro Barra Bonita, também chamado de "estrada de ferro vicinal", foi construído num trecho de 18.440m (dezoito quilômetros, quatrocentos e quarenta metros), partindo da Estação de Campos Salles, que já existia desde 1º de julho de 1889, passando por Barra Bonita e terminando no Bairro do Barreirinho.
Foi inaugurado em 15 de agosto de 1929 e desativado em 31 de agosto de 1966. Os seus 37 anos de existência figuram em nossa história com destaque, tendo em vista o grande fator de progresso que representou, principalmente porque sua construção partiu da iniciativa de particulares que sonharam alto, e enfrentaram inúmeros obstáculos para ver concretizado esse ideal.
Os primeiros registros nesse sentido datam de 15 de maio de 1913, quando Ranulpho de Campos Salles (filho de Nhonhô de Salles) e Antonio de Almeida Cintra requerem à Câmara Municipal, a concessão de direitos para construção de um ramal Barra Bonita - Campos Salles, pois já nessa época, era muito grande o embarque de produtos agrícolas e de cerâmica, nas Estações de Campos Salles e Jahu, bem como as mercadorias e encomendas despachadas para Barra Bonita - via Jahu.
O transporte, feito por carroças, era cansativo e lento. Quando se dirigiam à estação de Jahu, chegavam a demorar até dois dias, encarecendo o custo e causando transtornos aos carroceiros que tinham despesas com o trato e descanso dos animais e deles próprios, o que teria sido um dos motivos da iniciativa dos interessados.
Apesar da aprovação unânime da Câmara Municipal, o projeto não se concretizou.
Entretanto, autoridades, industriais, agricultores e comerciantes locais, não desistiram da idéia. E...
nova batalha começou. O jornal "O Município", em suas edições de n.ºs 2 e 27 de 7 de agosto de 1915 e 5 de fevereiro de 1916 respectivamente, ressalta a necessidade da estrada de ferro e divulga que "a Paulista está prolongando seus trilhos para esta direção" e, fazendo reacender a esperança dos barra-bonitenses, conclui assim: "Consta que até o fim do ano teremos a estrada de ferro em nossa cidade".
Mas... não foi o que aconteceu. Numa seqüência cronológica, aqui vão os registros mais importantes sobre essa realização. O Governo do Estado, através da Lei nº 1.830 de 23 de dezembro de 1921 concedia auxílio para construção de estradas de ferro vicinais, desde que se constituíssem empresas para tal finalidade. Em 20 de novembro de 1923, através da Lei Municipal nº 40, foi concedido direito de construção da Estrada de Ferro Barra Bonita.
Em 8 de dezembro de 1923 a empresa é fundada, com o capital em ações subscritas por líderes políticos, empresários e agricultores locais, sendo eleita a primeira Diretoria composta pelas seguintes pessoas: Presidente: Dr. Caio Simões; Diretores: Dr. Osório Ferreira Dias e Juvenal Pompeu; Conselho Fiscal: Francisco Lourenção, Angelo Borsetto e Cláudio Lopes; Suplentes: Antenor Balsi, Demósthenes Gonçalves e Luiz Picchiello.
No dia 10 de fevereiro de 1924, são adquiridos 25 quilômetros de trilhos na Bélgica, sendo essa importação garantida pelo "sinal" de 200 mil francos belgas, depositados no Banco Francês e Italiano. Os trilhos chegaram no Porto de Santos em janeiro de 1925 e a Cia. Paulista de Estradas de Ferro transportou-os, gratuitamente, até a Estação de Campos Salles.
Em 26 de junho de 1925 é assinado pelo Governo do Estado e a Estrada de Ferro Barra Bonita, um Termo de Compromisso para concessão de auxílio destinado à construção do referido ramal. Era Presidente do Estado o Dr. Carlos de Campos e Secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o Dr. Gabriel Ribeiro dos Santos. Representando a Estrada de Ferro Barra Bonita, assinaram: Juvenal Pompeu e Angelo Borsetto.
Somente em 30 de setembro de 1926, é concedida à Cia. De Estrada de Ferro Barra Bonita, através do Decreto Estadual nº 4.110, "licença para construção, uso e gozo" da mencionada ferrovia.
Em 18 de outubro de 1926, Juvenal Pompeu (Presidente) e Luiz Scaglione (Diretor) representantes da Cia. Estrada de Ferro Barra Bonita, assinam o contrato, aceitando todas as cláusulas do Decreto nº 4.110 garantindo a construção do ramal.
Entre 1927 e 1928 foram construídos, além do assentamento dos trilhos, os armazéns, os prédios das Estações de Barra Bonita e do Barreirinho; dois grupos de casas de turma; os pontilhões sobre o Córrego e na rua 1º de março; bueiros, e a linha telegráfica.
Em 7 de outubro de 1928, o jornal local "O Município" nº 620, destacava que o Dr. Homero Ortoni, engenheiro da Secretaria da Viação havia inspecionado as obras da E.F.B.B. e o telégrafo já estava instalado, e que, a partir de então, Barra Bonita seria servida por dois telégrafos, pois já havia o da "Sorocabana". O mesmo jornal, edição nº 626 de 11 de novembro de 1928, informava que por determinação da Diretoria da Estrada de Ferro Barra Bonita, o Sr. Luíz Picchiello era provisoriamente o encarregado da Estação local.
No dia 7 de agosto de 1929, o Presidente do Estado, Dr. Júlio Prestes de Albuquerque, assina o Decreto nº 4.619, autorizando em caráter provisório, a abertura ao tráfego da via férrea, no trecho de Campos Salles ao Barreirinho, publicando inclusive as tabelas com os valores das tarifas de cargas e passageiros. Na mesma data, através do Decreto nº 4.620, prorrogou, até 30 de setembro de 1929, a conclusão dos trabalhos da ferrovia.
15 DE AGOSTO DE 1929
Cumpridas todas as formalidades legais, foi marcada a data da inauguração oficial da ferrovia, que já vinha funcionando a título precário com o transporte de cargas. A data escolhida foi 15 de agosto de 1929 e, de acordo com a reportagem do jornal "O Município", edição nº 666 de 18 agosto de 1929, "vimos que" a inauguração transcorreu sem o desatamento de fitas, discursos, faixas, fogos, bandeiras, descerramento de placa ou quaisquer outras das muitas formas hoje utilizadas em festas dessa natureza. Mas vale a pena conhecer o belo texto que destaca a importância da estrada de ferro para nossa região e outros detalhes assim descritos e transcritos na ortografia da época:
"ESTRADA DE FERRO"
"Verificou-se quinta-feira p. passada, finalmente, a inauguração official, da Estrada de Ferro Barra Bonita.
Esse acontecimento é da mais alta importancia não só para a nossa cidade e seu município como tambem para esta grande parte do territorio paulista que até hoje se conservava desincorporado dos demais servido por esse systema de communicação que indiscutivelmente é o mais efficiente, rapido e seguro.
O desenvolvimento assombroso do nosso rico Estado tem a sua razão de ser, inegavelmente na estrada de ferro, factor primordial do progresso de um povo.
Onde não existem trilhos, onde a locomotiva não desperta a natureza com o seu silvo alviçareiro, o progresso não póde chegar e porisso mesmo tem que se contentar com o seu desenvolvimento ronceiro, vagaroso e caro, si não ficar mesmo relegado, entalado, ouvindo de longe o rumor da vida e prosperidade das regiões onde ella passa resfolegante e quente, varrendo com o seu limpa-trilhos todos os obstaculos que se antepôem ao progresso.
Nosso povo conhecendo como conhece o valor incalculável dessa realização, exultou de contentamento nesse dia que ficará immorredouro nas páginas da nossa historia.
Pela manhã foi profusamente distribuido um boletim convidando o povo a se reunir na estação local as tres horas da tarde afim de aguardar a chegada do comboio procedente do Barreirinho.
A essa hora pois, a extensa plataforma era pequena para abrigar o povo allí presente, sendo a composição que chegara com a precisão á hora marcada, recebida com palmas, fazendo-se ouvir então pela primeira vez os acordes festivos da nova corporação musical de Barra Bonita, recentemente reorganizada e que nesse dia inaugurava tambem o seu novo e fino instrumental, adquirido pela nossa camara municipal.
No momento prefixado no horario official, prosseguio o comboio para o seu destino - Campos Salles - levando passageiros de ambas as classes, tantos quantos mal comportavam as lotações dos tres carros componentes de dita composição.
Está portanto e finalmente a nossa querida e bella terra enriquecida com a sua estrada de ferro, aspiração legitimamente alimentada ha muito tempo por todos quanto são amigos verdadeiros e sinceros deste futuroso municipio de Barra Bonita.
Seja portanto esta nossa ligeira noticia encerrada com os protestos mais vivos da imprensa barrabonitense, de louvor á todos quanto concorreram de qualquer modo para a realização de tão grande melhoramento para este torrão adoravel.
Ao snr. Juvenal Pompeu e a todos os amigos que o coadjuvaram nessa campanha hoje vitoriosa, os nossos mais francos, enthusiasticos e vibrantes parabéns."
Com a construção e funcionamento desse ramal ferroviário, Barra Bonita "proclamou" sua autonomia em comunicações e transportes. A navegação fluvial ia, ao pé da letra, de "vento em popa". A Ponte Campos Salles era o grande elo de ligação com lgaraçu, São Manoel, Botucatu, Lençóis e região. Finalmente, a Estrada de Ferro ligando Campos Salles até o Barreirinho, facilitou enormemente o trânsito de pessoas, o escoamento dos produtos agrícolas e ceramistas e o recebimento de mercadorias para o comércio local.
A partir da década de 1950, com a implantação e desenvolvimento da indústria automobilística nacional e a circulação de grande número de veículos, incrementou-se o transporte rodoviário que somava pontos a seu favor, pela rapidez, pontualidade e segurança das auto estradas, fatores que contribuíram para diminuição do custo. Assim sendo, o transporte ferroviário foi decrescendo e o movimento financeiro do ramal da Estrada de Ferro Barra Bonita não cobria os gastos com a sua manutenção. As telhas, tijolos, o açúcar, o café eram transportados por caminhões e carretas que comportavam elevadas cargas. Empresas de ônibus ofereciam conforto para as viagens a São Paulo em tempo bastante inferior ao do trem. As redes ferroviárias do país também entraram "em baixa". Muitos viam no transporte ferroviário um entrave ao progresso, tendo a Companhia Paulista de Estradas de Ferro encampado o ramal da E.F.B.B. para evitar sua retirada.
Os boatos de desativação do ramal começaram a surgir e intranqüilizar nossa população. As autoridades e líderes políticos que representavam o município muito se empenharam para sua manutenção, ainda que deficitário. Os remanescentes daqueles bravos pioneiros de 1929, sentiam-se entristecidos pela possibilidade de extinção da estrada de ferro. Entretanto, a decisão estava tomada. E no dia 31 de agosto de 1966, quase toda a população dirigiu-se à Estação para se despedir da velha "Maria Fumaça". Desta vez para sempre!
A "última viagem", levou muita gente ao Barreirinho e, na volta, de Barra Bonita até Dois Córregos passando por lguatemi, Campos Salles, Falcão Filho, Capim Fino, e Mineiros do Tietê, cujos ramais também foram extintos.
De acordo com as informações do Sr. Thomaz Saffi, ex-Chefe da Estação local, o primeiro Chefe, quando da inauguração do Ramal em 1929 foi o Sr. Guilherme Jorge dos Santos. O último foi o Sr. Jarbas Marcondes que, ao lado dos demais funcionários, Américo Veghin, Mário Guzzo, Onofre De Luca, Luiz Ignácio Alves, Osvaldo Gatavesky e Alcides Fornazari, desolados, em pé, na plataforma de embarque, acompanharam com os olhos a "Maleiteira" desaparecer na curva do caminho. Discretas lágrimas viram a fumaça da locomotiva dissipar-se no ar, e, em seus pensamentos, formavam uma pequena palavra: Adeus.
O progresso, fator determinante para a construção do ramal em 1929, também foi responsável pela sua extinção em 1966, pois já havia outros planos e projetos de desenvolvimento voltados para o turismo que seriam executados nas áreas desativadas, o que de fato ocorreu.
Assim, a ferrovia encerrou sua participação destacada na nossa história, deixando caminho livre para o aproveitamento do potencial turístico de Barra Bonita. Em poucas palavras, o "Jornal da Barra" nº 217 de 3 de setembro de 1966 comentou o fato e prestou sua homenagem através do seguinte texto:
"NO DIA 31 DE AGOSTO: EXTINTO O RAMAL DA CIA. PAULISTA"
"Por determinação superior, baseada em sua situação deficitária, foi extinto, a partir de 31 p.p. o ramal da Cia. Paulista, que nos ligava a Dois Córregos.
O trenzinho a vapor fez sua última viagem partindo da estação local às 13,15 para o Barreirinho retornando as 15 horas. Grande foi o número de pessoas que acompanharam a "Maria Fumaça" em sua derradeira jornada e o seu apito de partida deu ao momento um toque de sentimentalismo, que provocou lágrimas em muitos olhos.
E ao encerrar as suas atividades, não podemos deixar de render, uma vez mais, a nossa homenagem aos ferroviários que trabalharam nesse ramal, pela sua importante contribuição ao desenvolvimento e progresso do nosso município e região. Durante 37 anos nos serviu a "Maria Fumaça". Que goze agora de merecido descanso".